sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Por de tras do véu...

Getty Images

É uma afronta, uma provocação; então deveriam proibir o top less, a nudez, e outras coisas. Esta é a resposta de Salma David, que é muçulmana, quando questionada sobre o que acha da proibição do uso do véu islâmico em alguns países europeus.

A declaração da professora de Educação Física de 49 anos, Salma, é mais significativa do que parece. Mostra que, em meio à discussão sobre o uso do véu que tem aparecido com freqüência na mídia, talvez falte procurar saber por que essa vestimenta incomoda tanto, já que é um hábito de um grupo e talvez devesse ser apenas respeitado sem que isso gerasse grandes problemas e controvérsias. Por outro lado, vêm à tona também as razões alegadas pelos que acreditam que essa peça de roupa não deve ser usada fora do ambiente islâmico. Fala-se em integração dos muçulmanos, em preconceito, em preservação de raízes e da cultura muçulmana, e comenta-se o grande número de muçulmanos que vivem em países europeus hoje: cerca de 15 milhões.

Salma David
O debate ressurgiu com força recentemente, quando o líder da Câmara dos Comuns inglesa, Jack Straw, revelou que pedia às mulheres islâmicas que o procuravam que tirassem o véu. Apesar de afirmar ser contra leis que determinem a forma como os cidadãos ingleses se vestem, ele confirmou acreditar que os véus causariam interferência nas relações sociais e que sem eles ficaria mais fácil a relação entre a cultura ocidental e islâmica. Straw foi apoiado pelo primeiro-ministro do Reino Unido Tony Blair, que afirmou que o véu seria uma marca de separação que provoca nas pessoas que não fazem parte da comunidade um certo desconforto.

Ao se pronunciar dessa forma, Straw não parece levar em conta a opinião de uma muçulmana. O político trata o véu como um adereço, que se removido passa a eliminar as dificuldades de integração entre povos que vivem em uma mesma sociedade. No entanto, para muitas mulheres não se trata unicamente de um acessório, assim como outras partes das vestimentas características dos seguidores do Islamismo. Para elas, se o véu fosse removido, o problema não terminaria, e sim começaria, ou pelo menos se tornaria mais complicado. A muçulmana que usa o véu sente-se nua quando sai na rua sem ele. Imagine se fôssemos obrigados a sair nus nas ruas... É um constrangimento, analisa a estudante de Antropologia da USP Jamile Pinheiro, 22 anos, muçulmana.

É um sinal de respeito e recato, para que a mulher não seja vista como um objeto sexual, explica Salma David sobre o véu, que utiliza sempre que sai de casa. Ela esclarece que as roupas modestas não são para serem usadas apenas pelas mulheres. Os homens devem usar roupas discretas para que não haja ostentação, devem estar cobertos desde o umbigo até a parte baixa dos joelhos, complementa.

O prefeito de Londres, Ken Livingstone, mostrou posicionamento oposto ao de Jack Straw. Ele comparou a discussão sobre o uso do véu islâmico na Inglaterra à época do nazismo, quando os judeus eram sempre considerados culpados pelos problemas existentes na sociedade. Está claro que os problemas que temos na Inglaterra não são porque os muçulmanos querem viver separados... eu acho que todo o debate tem sido tendencioso, como se os muçulmanos tivessem culpa por isso, disse ao jornal The Guardian, em matéria intitulada Muslims being demonised, says Livingstone (Muçulmanos estão sendo demonizados, diz Livingstone) publicada em 24 de outubro último.

O prefeito é um político bastante popular e conhecido por não ter papas na língua. Ainda este ano, foi acusado por um repórter judeu de racismo. O jornalista tentou entrevistar Livingstone na saída de uma festa gay em Londres, ocasião em que o prefeito – que é homossexual assumido e diz ter lutado sempre contra o preconceito – fez um comentário comparando o repórter a um guarda de campo de concentração nazista. Livingstone ganhou o recurso em 19 de outubro último, quando um juiz do Tribunal Superior da Grã-Bretanha afirmou que o prefeito de Londres seria livre para manifestar suas opiniões, mesmo que elas sejam eventualmente ofensivas.

Preconceito também no Brasil e hábitos alterados pela vida em outro país

O uso do véu não é imposto às muçulmanas dentro da comunidade islâmica, mas, segundo Salma, é uma obrigação que elas acreditam ter com a religião que seguem. Ela acredita também que, caso uma muçulmana não utilize o véu, não sofrerá preconceito dentro da sociedade islâmica.

A estudante Jamile Pinheiro discorda: diz que há um certo preconceito também dentro da comunidade islâmica, apesar de não ser tão comum. Muitas vezes algumas dessas muçulmanas são consideradas muçulmanas incompletas, mas por uma pequena parcela da comunidade, explica. NAO USAR O HIJAB TAMBEM É DIREITO NOSSO!!!!!!

Apesar de divergirem quanto à questão de dentro da comunidade islâmica, tanto Salma quanto Jamile já passaram por várias situações em que sofreram preconceito da parte dos que não as entendem e por isso as julgam sumariamente. Salma relata duas situações em que se lembra ter passado por esse constragimento. Uma delas ocorreu numa escola em que deu aula, de onde foi despedida e teve seu véu arrancado. Em outra ocasião, Salma estava num ônibus intermunicipal quando o motorista a tirou do veículo. Ela foi apoiada por algumas pessoas que a ajudaram a fazer uma denúncia, que originou na demissão do empregado da empresa de transportes.

Jamile costuma encarar as situações com muito bom-humor. Às vezes evangélicos ficam cantando músicas religiosas atrás de mim no ônibus oumetrô ou me ensinam o caminho da igreja mais próxima. Outros acham que eu sou freira, relata.

Para reunir meninas muçulmanas interessadas em compartilhar histórias que tenham vivido em função do uso do véu islâmico, a técnica em agropecuária Zahreen Adira, de 37 anos, também muçulmana, criou uma comunidade no site de relacionamentos Orkut chamada Se meu hijab falasse. Entre os casos contados, há aqueles que as participantes até consideram engraçados, mas outros que são demonstrações de preconceito e desinformação.

Zahreen Adira

Zahreen acredita que no Brasil o preconceito é diferente da Europa. Aqui o preconceito é pura ignorância, diz. As pessoas nem sabem que somos muçulmanas. Nós somos chamadas de Marroquinas, Jade, Palestina, Libanesa, porque eles associam ao que vêem na TV e nem sempre o que vêem é verdade ou é completo (...) Sempre associam o Islã ao oriente, aos conflitos e à opressão feminina, complementa, dizendo que, apesar de nunca ter passado por uma situação de preconceito violenta ou constrangedora, ela encontra dificuldade para arrumar emprego.

A estudante muçulmana Nadia Zaki, da Universidade de Toronto, no Canadá, tem 20 anos e é paquistanesa. Ela acredita que o fato de viver numa sociedade ocidental causa um certo impacto negativo sobre os códigos islâmicos de vida. Nadia acredita, por exemplo, que, como as vestimentas islâmicas não são bem interpretadas no ocidente, acabam perdendo o seu sentido principal. Eu acredito ser mais sensato evitar de cobrir meu cabelo, pela única razão de que isso não estaria me dando a proteção que eu quero e preciso, explica a estudante, que conta que se veste de forma modesta, para não se expor – o que considera importante -mas prefere não usar o véu.

Um comentário:

  1. Adorei a reportagem! Pra proibir o uso do veu, teriam que proibir as freiras de andarem cobertas nas ruas, os judeus de usarem kipa e assim vai. Liberdade de escolha! Nina

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